Creydisson não gostava do Natal. Nunca conhecera Papai-Noel. Nem papai. Gostava sim de ver as luzinhas piscando nas casas, sentava nas noites de dezembro pelas ruas movimentadas e notava a felicidade das pessoas. Ele adorava sua mamãe, mas sabia que não poderia contar com ela na noite do natal, era ela quem cozinhava pras pessoas chiques. Não é que não estava acostumado, passava a maior parte do tempo longe dela, e conseguia muito bem, mas é que o natal trazia aquele sentimento de não-sei-o-que no estômago e uma vontade de chorar. Uma vez perguntaram na escolhinha o que ele gostaria de receber de presente no natal. Tinha tanta coisa que não sabia muito bem o que escolher, mas pediu um papai. Como os professores disseram que pra ganhar presente de papai-noel tinha que ser bonzinho durante o ano ele acreditou que não tinha sido tão bom assim, só um pouqinho, porque ganhou um pacotinho com umas balas, um bom-bom e desenhos de natal, mas papai mesmo, nada. Aquela noite, Creydisson desacreditou das coisas. Sentou na beira da calçada, com um pouco de frio, só de shorts, e começou a chorar. As pessoas que passavam ficavam olhando e sentindo pena. Mas Creydisson continuou lá, até adormecer, ao som de noite-feliz.
17 de novembro de 2010
Dor.
Enquanto recebia a sentença de prisão, a mãe lembrava da inocência dos tempos de menino do acusado.
Bico.
De todos os trabalhos que tivera, badalar um sino e entregar balinhas pras crianças, era, de longe, o mais digno.
Paz Condicionada.
Puxou no baseado a tensão do dia estressante. Soltou na fumaça o alívio e a coragem pra um outro dia.
16 de novembro de 2010
Profundamente.
Tinha um grande problema: Era muito intenso. Tudo o que vivia, o fazia de forma profunda. Emoções, pensamentos, sentimentos. Os amigos pediam que ele vivesse com calma, mas como? Não sabia fingir que não estava pensando ou sentindo. Muitas vezes sofria com isso, nem todo mundo podia ao menos entender que alguém podia entregar-se tanto assim. Um dia parou de sofrer, decidiu não ligar para o que os outros diriam. Quem quisesse se envolver com ele teria que entrar no jogo. Abraçar como num corpo só, beijar como quem sente por inteiro a outra pessoa, olhar com lágrimas nos olhos e amar até a morte. No que as pessoas viam apenas algo comum ele conseguia enxergar os detalhes mais impressionantes. Parecia ter todos os sentidos agindo concomitantemente. Sentia o gosto dos sons, e podia jurar que sabia a cor exata de um cheiro bem docinho. Mergulhava no mundo e permitia que o mundo mergulhasse nele numa troca intensa de experiências. Quando percebeu que era realmente feliz, ninguém mais o infernizou, todos deixaram que ele seguisse intensamente vivendo, profundamente amando, e exageradamente sentindo. Morreu mergulhado num mundo de emoções, na certidão de óbito constava: Morte por Prazer.
12 de novembro de 2010
Menina da Lua.
Ela guardava a luz dentro de uma caixinha com estampa de joaninhas. Vez em quando uma pessoa passava na rua e lá ia ela espionar a caixinha só pra aguçar a curiosidade dos errantes. Só deixava a caixinha no chão pra balançar no balanço da praça. Quando a questionavam sobre a misteriosa caixinha ela dizia que era a luz que estava guardada e que só ela poderia cuidar bem dela. As pessoas achavam estranho, e questionavam se a pobre menina dos cabelos cacheados não teria responsáveis que a salvassem de uma possível insanidade. O fato era que ela era diferente das demais crianças. Quando sorria ninguém sabia bem ao certo porque sorria, mas sorria para as coisas mais improváveis. É que ninguém via o que ela via, só ensergavam que havia um brilho diferente naquele olhar. A caixinha sempre em sua mão, em todas as ocasiões. Num dia triste, cinza, de dor no peito, encontraram a caixinha aberta e sozinha. Não viram mais menina, não viram mais o brilho. Desconfia-se que ela foi levada, foi levada pela luz que tanto protegia.
11 de novembro de 2010
Da fumaça do nosso ardor.
Ele me engolia. Nossos beijos estalavam e o som se confundia com nossos gemidos de prazer. Em algum momento não se percebia mais qual corpo era meu e qual era dele. E não queríamos dormir, tínhamos o mundo inteiro pela frente. Ele apertava meus braços abertos na cabeceira da cama e sussurrava em meu ouvido palavras de amor. Era a materialização carnal de um amor tão abstrato. Dois animais selvagens soltos deixando que seus instintos gritassem feito duas crianças famintas. Ele sabia o que fazer, parecia conhecer qualquer ponto do meu corpo, fosse o g ou qualquer outro do alfabeto de qualquer língua. O suor fazia nossos corpos brilharem a luz das velas em torno a nós. A sintonia da natureza também nos impulsionava e simplesmente nos amávamos. E foram horas. E mais horas. Até tudo se apagar, com a ponta do meu último cigarro.
10 de novembro de 2010
Sorriso Matinal.
Aquele dia ele acordou mais cedo, naturalmente. Mais disposto. Expontaneamente feliz. Sentou na beirada da cama, alongou os braços para cima e espreguiçou. Olhou para seu corpo matinal e fresco. Pernas torneadas e peludas, samba-canção de seda, tórax robusto também com pelos, barba por fazer. Mirou os pés descalços e se lembrou do mar. Talvez uma viagem mais para o fim do ano que se aproxima. Pensou nos planos que tinha feito para o dia. Foi ao banheiro, enxaguou o rosto, escovou os dentes brancos e ficou fazendo caretas para si no espelho. Cheirou as mãos de sabonete e penteou o cabelo. Voltou ao quarto e deu um breve sorriso. Na cama, ele. Mudara todos seus planos de fim de ano, de ano que vem, de vida. Sorriu de novo. Deixou seu novo amor descansar da noite exaustiva de amor e foi correr pelo bosque para sentir o ar puro, o ar de novos ares.
9 de novembro de 2010
3 de novembro de 2010
Um jeito de lavar a dor.
Secou as mãos úmidas e geladas na beira do avental enquanto os lábios tremiam anunciando um choro sofrido. Sentou devagar no canto da cadeira que se encontrava espremido naquela lavanderia. Segurou um soluço colocando o lenço na boca que acabara de desatar da cabeça. Sentia saudade. Saudade é bicho que dói - ouvira. Mas pior que sentir saudade era não poder matá-la. Quando pensava nisso sentia mais vontade de chorar. Levantou rapidamente quando pensou ouvir a patroa se aproximar. Não era, não sentou mais. Ficou enconstada esperando a centrífuga trabalhar. Enquanto a roupa girava ela pensava nas voltas da vida que a trouxeram ali, naquele cubículo apertadinho. Passou a mão pelo rosto enxugando a lágrima que descia sinuosa pelas rugas salientes dos seus sessenta e poucos. Sentiu-se sozinha. Ai, que dor. Disfarçou um pouco e sentou novamente adormecendo encostada na pilha de roupas sujas que a dor não a permitira ainda lavar.
2 de novembro de 2010
Decapitando.
Acordou ainda tonto, resultado da noite anterior. Sentiu no bolso a carteira estufada e logo tirou-a de lá. Os jeans estavam apertados demais e o calor da manhã de verão era mais um incômodo quando se tinha uma enxaqueca daquelas. Ainda deitado na cama dessarrumada, que combinava de um jeito demodé com o quarto, pensou. Pensou nos rostos da noite anterior. Tentou, não conseguia. Quem seriam? Será que eles saberiam quem ele era? Pensou então nos rostos conhecidos. Não conseguia. Tudo o que via eram os rostos estampados nas notas da sua carteira. Será que nunca mais veria os rostos das pessoas? Será que as pessoas ainda viam seu rosto? Tudo parecia tão reduzido. Os rostos, dinheiro. Os beijos, dinheiro. Os amassos, dinheiro. O sexo, dinheiro. O gozo, dinheiro. O dinheiro, vazio. Vagamente lembrou que tinha uma família. Sabia que tinha, mas não lembrava mais das faces. Um calor subiu do estômago e se materializou numa lágrima que dizia: "Fio, a mãe sempre vai tá aqui, se precisá, tá bão?" Engoliu seco. Olhou pro lado. A última coisa que viu foi uma caixa de um remédio tarja-preta. Adormeceu de vez, num esforço estupendo de quem tenta lembrar de algum rosto. Pelo menos um.
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