Ela fuçava. Intrometia-se na vida dele como quem quer acusar. Tentava explicar tamanho ódio em função do seu gigantesco amor. Dificultava sua vida por encontrar tanta dificuldade na vida daquele que ela pensava possuir. Era só olhar para ela e perceber o quão cansada estava. Tinha trabalhado o tempo todo, sem descanso e não poderia tolerar tamanha traição. O que diriam os outros? Haveria alguém feliz com isso? O fato é que ela já tinha todas as respostas. E sabia que o pecado não era dele, era dela. Sentou no escuro e acendeu um cigarro. Fumaça em ascenção. Olhos vidrados no nada. Decidiu que conversaria com ele. Sentiu um cheiro pastoso de uma morte antiga que havia presenciado. Era o mofo da sala escura penetrando sua memória. Lembrara-se de um amigo antigo que tinha morrido por falta de prevenção. Percebeu que queria poder prevenir seu querido. Mas não da morte. Da vida. Tragou mais uma vez a fumaça amarga. Sentiu uma dor nas costelas e entendeu que a vida é pequena. A maternidade havia feito isso com ela. Ouviu então os passos dele aos poucos chegando mais perto e seus olhos vacilaram em lágrimas. Como cena de novela deixou as lágrimas escorrerem sem piscar. Ele passou pela cozinha e entrou no quarto, trancou a porta. Ela se perguntou se uma chave poderia mesmo trancar o segredo de uma vida toda. Calçou os pés nas chinelas velhas e arrastou. De repende soluçou. Tentou prender a respiração e contar até dez mas não lembrava mais a linearidade dos números. Só conseguia lembrar que antes vinha o dois, depois o um. Mas antes o dois era um, hoje são dois: um e outro. Soluçou de novo. A porta destrancou-se e ela se assustou. Ele passara e dissera algo como um tchau. Ela não respondeu. Viu-se levantando e seguindo-o até o pecado. Chegando lá chorava e tentava silenciar para não ser notada. Viu na cena o fim. E quando ia gritar desesperadamente entendeu que nem tinha se movido, continuava ali, naquela sala, com aquela fumaça, vivendo a vida dele. E ele vivendo, seguiu amando-a. Apenas sentiu no ar o cheiro de dor mas nada podia fazer, ela já tinha decidido. Viveram pecando para sempre, ela por sentir-se traída, e ele por amar.
7 de abril de 2010
Sobre o pecado.
6 de abril de 2010
Profecia sobre um gigante anão.
Para meu querido e amado gigante anão. Do seu tamanho.
Antes da profecia um histórico. Ele nasceu. Fato indiscutivelmente relevante, imutável. Como muitos por aí nasceu com cinco dedos em cada pé, olhos desconfiados e não estou bem certo se tinha cabelos. Tudo certo por fora. Nada certo por dentro. Sei que tudo estava embaralhado como numa pintura surrealista de Dalí. Coração pelo avesso, cabeça em outro lugar, e um terno que não o servia. Cresceu assim. Como também tinha cérebro foi percebendo sua escondida diferença. Não pôde fazer mais nada a não ser aparentar. O espelho estava de cabeça para baixo. E ele mesmo virava, todos os dias. É claro, havia ajuda da família, dos chegados, dos vizinhos, de muita gente. O espelho era pesado demais, mas que fique bem claro a decisão era dele, já que ele mesmo decidira usar uma venda. Não, ele não era culpado. Tomar decisões nem sempre são escolhas nossas. Nada é nosso, a história e a sociedade já decidiram e aí morou o perigo. No mar perigoso aventurou-se. Beijou, gostou, trepou, amou, reproduziu e pronto. Enfim, viveu. Que ninguém culpe nosso anão aqui. Ninguém é culpado por viver. Aliás, quem seria mais culpado: quem vive ou quem ensina a viver? Enfim, gigante anão estava bem. Bem, nem tanto. O fato é que um dia o espelho começou a pesar e virá-lo estava sendo um trabalho complicado pois exigia brigar consigo, tarefa árdua para quem nasceu para viver. Todos já acreditavam na força do gigante anão e num gesto motor nem checavam mais o pesado espelho. Foi então que um dia nosso anão decidiu fazer menos esforço. Deixou de brigar consigo para aventurar-se nas sensações trêmulas e ridicularmente amedrontantes. Entrou num carro aquele dia. Conheceu alguém e mais alguém, até parar num lugar. Lugar bom. Meio escondido mas bom. Não era culpa dele, convenhamos. Mas perceberam seu tremor e sua gagueira. Investigaram e encontraram por trás de muitas cordas pesadas um espelho em pé e de cabeça para cima. Quiseram matá-lo de culpa. Deus usou seu amor para abandoná-lo. E foi assim que nosso gigante ficou sozinho. As pessoas grandes olhavam-no com ódio e desviavam o olhar. É feio e incomum um anão corajoso. Mas as vezes a coragem precisa ser partilhada. Como numa trança. Três cordas não são só uma. E ele era apenas uma. Uma corda que enforcou-se no teto da solidão. Recebeu um documento escrito por ele mesmo que dizia para deixar de ser corajoso. Não foi culpa dele, mais uma vez. E assinou o documento, com caneta nanquim molhada no sangue do próprio peito. Tarde demais. Quem se enxerga nunca mais esquece quem é de verdade, nem que empenhem esforços mirabolantes para o esqucimento. E assim viveu cego e enxergando, simultaneamente. Percebeu o quanto era gigante sua aparência, mas tatuou na memória sua essência. E gostou. Os envolvidos não gostaram, mas estamos aqui para falar do nosso anão. Bem, depois de muitos seres diferentes caiu na real. E o real é o presente. Pensativo, reflexivo, cheio de questões de arrependimento, foi estudar. Gente letrada diz que entende das coisas, sei não. Sei que serviu para o anão. Ele agigantou-se no conflito da incerteza até chegar aqui. Sinceramente, aconselhei que ele vivesse. Um batido carpe diem, mas que teima em dar certo. Bem... usando de todo meu poder e carinho pediu-me uma profecia. Ela surgiu-me de relance e mais aparentou uma ordem. Não questiono essas coisas. Mas ela é profecia e ordem ao mesmo tempo. Ei-la: VAI SER FELIZ. Ponto final para o seu início. É isso.
Antes da profecia um histórico. Ele nasceu. Fato indiscutivelmente relevante, imutável. Como muitos por aí nasceu com cinco dedos em cada pé, olhos desconfiados e não estou bem certo se tinha cabelos. Tudo certo por fora. Nada certo por dentro. Sei que tudo estava embaralhado como numa pintura surrealista de Dalí. Coração pelo avesso, cabeça em outro lugar, e um terno que não o servia. Cresceu assim. Como também tinha cérebro foi percebendo sua escondida diferença. Não pôde fazer mais nada a não ser aparentar. O espelho estava de cabeça para baixo. E ele mesmo virava, todos os dias. É claro, havia ajuda da família, dos chegados, dos vizinhos, de muita gente. O espelho era pesado demais, mas que fique bem claro a decisão era dele, já que ele mesmo decidira usar uma venda. Não, ele não era culpado. Tomar decisões nem sempre são escolhas nossas. Nada é nosso, a história e a sociedade já decidiram e aí morou o perigo. No mar perigoso aventurou-se. Beijou, gostou, trepou, amou, reproduziu e pronto. Enfim, viveu. Que ninguém culpe nosso anão aqui. Ninguém é culpado por viver. Aliás, quem seria mais culpado: quem vive ou quem ensina a viver? Enfim, gigante anão estava bem. Bem, nem tanto. O fato é que um dia o espelho começou a pesar e virá-lo estava sendo um trabalho complicado pois exigia brigar consigo, tarefa árdua para quem nasceu para viver. Todos já acreditavam na força do gigante anão e num gesto motor nem checavam mais o pesado espelho. Foi então que um dia nosso anão decidiu fazer menos esforço. Deixou de brigar consigo para aventurar-se nas sensações trêmulas e ridicularmente amedrontantes. Entrou num carro aquele dia. Conheceu alguém e mais alguém, até parar num lugar. Lugar bom. Meio escondido mas bom. Não era culpa dele, convenhamos. Mas perceberam seu tremor e sua gagueira. Investigaram e encontraram por trás de muitas cordas pesadas um espelho em pé e de cabeça para cima. Quiseram matá-lo de culpa. Deus usou seu amor para abandoná-lo. E foi assim que nosso gigante ficou sozinho. As pessoas grandes olhavam-no com ódio e desviavam o olhar. É feio e incomum um anão corajoso. Mas as vezes a coragem precisa ser partilhada. Como numa trança. Três cordas não são só uma. E ele era apenas uma. Uma corda que enforcou-se no teto da solidão. Recebeu um documento escrito por ele mesmo que dizia para deixar de ser corajoso. Não foi culpa dele, mais uma vez. E assinou o documento, com caneta nanquim molhada no sangue do próprio peito. Tarde demais. Quem se enxerga nunca mais esquece quem é de verdade, nem que empenhem esforços mirabolantes para o esqucimento. E assim viveu cego e enxergando, simultaneamente. Percebeu o quanto era gigante sua aparência, mas tatuou na memória sua essência. E gostou. Os envolvidos não gostaram, mas estamos aqui para falar do nosso anão. Bem, depois de muitos seres diferentes caiu na real. E o real é o presente. Pensativo, reflexivo, cheio de questões de arrependimento, foi estudar. Gente letrada diz que entende das coisas, sei não. Sei que serviu para o anão. Ele agigantou-se no conflito da incerteza até chegar aqui. Sinceramente, aconselhei que ele vivesse. Um batido carpe diem, mas que teima em dar certo. Bem... usando de todo meu poder e carinho pediu-me uma profecia. Ela surgiu-me de relance e mais aparentou uma ordem. Não questiono essas coisas. Mas ela é profecia e ordem ao mesmo tempo. Ei-la: VAI SER FELIZ. Ponto final para o seu início. É isso.
Cheirinho de Talco
Havia chegado o grande dia. Me sentia tão ansioso e ao mesmo tempo tão confuso. Sempre esperei e jamais imaginei que aquilo pudesse mesmo se concretizar. Como seriam os seus traços? Será que alguem o olharia e nele encontraria algum traço meu? "A boquinha do papai"... "Teimoso feito você"... O relógio pesava tanto que os ponteiros não ousavam mexer. Somente meu pensamento girava, num fluxo familiarmente estranho. Diante dos olhos o futuro incerto. Como viesse eu o aceitaria, e sabia que não seria meu, seria de mim. Parte de mim. Eu o aceitava mas não sabia se ele me aceitaria. Talvez se eu dedicasse toda minha atenção a ele... Muito cedo para prever. Eu só queria mesmo sentir o momento de escutar o choro desafinado e aflito da vida me presenteando com uma vida. E eu que achava que o mundo era injusto comigo. Voltei para sala onde ainda me encontrava. Notei que não havia me movido. Nem o ponteiro. Escutei um sussrro em meu ouvido me dizendo: "Calma"... Virei-me e abracei-o junto a mim. Claro, fora ele a peça decisiva da minha atitude. Bem ali, na minha frente. Cansado, preocupado, ansioso e angelical. Mirei seus olhos com a certeza da segurança que um fio de medo tentava cortar. Frio na barriga, mãos suando, um beijo. Ele me disse:" -Eu te amo e essa é nossa maior concretização." Eu mal podia acreditar, esfregava os olhos e tentava acordar de um sonho real. Tentava imaginar minha vida com ele e concluía que jamais iria querer viver sem ele. Tudo preparado, seu enxoval, seu quartinho, os brinquedinhos, uma canção de ninar, um beijinho de esquimó. Só faltava ele. Eu tinha nascido para aquele momento, era como se ele estivesse dentro de mim e, na verdade, ele já estava. Como poderia ter desistido daquele momento? Jamais poderia deixar de agradecer à doce sunshine que o gestou para nós. A ela daria todo o carinho merecido, por ter entendido minha necessidade de amar. Aquele ser tão fragilzinho que apareceria em minutos nas mãos daquele moço de branco. Sentei exausto na cadeira fria que me deu um cohque térmico. Adormeci nos braços do meu amor. Acordei com um sonho gemendo. A partir dali, sou feliz. Deus, de fato existe. E tem cheirinho de talco.
Homenagem ao meu.
Para meu sempre Saul Bernar (in memorian)
Não sei bem como aconteceu mas ali estava eu. Parado, imobilizado num instante que parecia congelado no ártico das minhas conclusões sem fundamento. Senti o frio acariciar meu rosto e uma lágrima rolar involuntariamente. Enquanto a lágrima caía eu notei o seu percurso. Como algo que estivesse destinado a chegar ao seu fim que era o nada. Senti então um arrepio desses de confundir as ideias. Refleti sobre a necessidade de estar ali. Seria mesmo preciso? Fui eu mesmo quem escolhera estar ali, e nunca tivera tanta certeza do que queria. E eu queria voltar. Queria sentir o avesso do arrepio, ver a lágrima retomando seu percurso de volta e o vento frio abandonando as carícias no meu rosto num sentido contrário. Foi justamente nesse momento que voltei como quisera outrora. Me vi naquele momento mágico em que meu olhar encontrou o dele. Lembrei de todas as emoções que se misturaram e formaram aquele novo sentimento sem nome. Meu mundo antes daquilo tinha sido um aquecimento. Virei o copo de uísque e sorri levemente com o canto da boca. Fui retribuído e acreditei estar tendo um devaneio. Num impulso impressionantemente magnético me senti puxado a passos lentos até perto daqueles olhos. Minha respiração foi ficando ofegante e senti meu coração subir. Uma adrenalina me tomou deixando minhas mãos trêmulas e suadas encostarem em seu rsoto. Me perguntei por onde ele andava todo esse tempo e o reconheci num passado nunca antes vivido. Nossos corpos pertenceram-se desde sempre. Como num vácuo passei rapidamente por todos os momentos vividos, todas as sensações, desde o gosto do uísque, aos extases volupstuosos, o gosto amargo do café expresso pela manhã fria mas com o coração aquecido, a ansiedade de vê-lo chegar exausto do trabalho, o vapor no banheiro e a ducha quente esfriando o calor dos nossos corpos em atrito, o sabor de hortelã da sua boca, o timbre rouco de seus sussurros e gemidos, o barulho das teclas do computador e sua concentração estampada naqueles óculos quadrados, o poder revigorante do seu abraço apertado, o sabor dos planos e desejos e a sensação do sonho que era só meu. E dele. Numa fração de segundos caminhei lentamente sobre as lembranças tentando freiar compulsivamente para não chegar ali. Foi quando ouvi o estrondo da lágrima se estatelando no chão que não estava mais ali. Olhei para o infinito distante que tinha acabado naquele dia. Perdi as palavras e a salivação. Tentei respirar fundo mas meu corpo reagia. Ele não queria. Eu também não. Abracei-me, então. Recostei-me na parede e deixei-me deslizar. Sentiria sua falta e sua presença. Aqui, em mim, para sempre. Adeus.
Assinar:
Postagens (Atom)