2 de novembro de 2010

Decapitando.

Acordou ainda tonto, resultado da noite anterior. Sentiu no bolso a carteira estufada e logo tirou-a de lá. Os jeans estavam apertados demais e o calor da manhã de verão era mais um incômodo quando se tinha uma enxaqueca daquelas. Ainda deitado na cama dessarrumada, que combinava de um jeito demodé com o quarto, pensou. Pensou nos rostos da noite anterior. Tentou, não conseguia. Quem seriam? Será que eles saberiam quem ele era? Pensou então nos rostos conhecidos. Não conseguia. Tudo o que via eram os rostos estampados nas notas da sua carteira. Será que nunca mais veria os rostos das pessoas? Será que as pessoas ainda viam seu rosto? Tudo parecia tão reduzido. Os rostos, dinheiro. Os beijos, dinheiro. Os amassos, dinheiro. O sexo, dinheiro. O gozo, dinheiro. O dinheiro, vazio. Vagamente lembrou que tinha uma família. Sabia que tinha, mas não lembrava mais das faces. Um calor subiu do estômago e se materializou numa lágrima que dizia: "Fio, a mãe sempre vai tá aqui, se precisá, tá bão?" Engoliu seco. Olhou pro lado. A última coisa que viu foi uma caixa de um remédio tarja-preta. Adormeceu de vez, num esforço estupendo de quem tenta lembrar de algum rosto. Pelo menos um.

2 comentários:

  1. Seja na música, seja na escrita... Semprei pensei que o dom seria porque as palavras são os sentidos da sua vida.

    Hoje, mudei de idéia.

    Você, é que dá sentido a tudo que escreve ou a tudo que canta...Você é especial!

    Te amo!

    Beijinhos

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  2. Se eu que gravo rostos e não compro companhias sinto um vazio enorme, desses que não tem fim, imagino o VAZIO de quem não se recorda de nenhum rosto, de quem não tem para quem estender a mão...Para esses a vida deve ser um constante pesadelo.

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