29 de março de 2011

Gostosinho.

Fazia tempo que não conversava com ele na internet. Digitei um oi, ele, sempre atento, logo respondeu. Até aqui tudo igual. As mesmas conversas, as mesmas ideias. Não que significasse monotonia, pelo contrário, era sempre uma delícia conversar com ele. Nos conhecíamos há muito tempo, somente pelas telas frias dos computadores, mas de alguma forma o coração sempre aqueceu algo entre nós. Decidi pedir que abrissemos nossas câmeras. Não sei ao certo. Ele estava lá, como eu sempre conhecia, pouca diferença. Mas o que mudara? Quando me dei conta era o meu coração que tinha mudado. Passou a esquentar de um jeito estranho que peguei medo e desconfiei. Dizem que quando acontece algo pelas bandas do coração a visão fica diferente. Eu o enxergava diferente. Era ele, eu sabia, mas não era mais aquele menininho que outrora conhecera. Tentei trocar de páginas, entrei em outras, parei de vê-lo por uns instantes. Levantei, busquei água, respirei. Tornei a vê-lo. Sim, algo estava diferente. Em mim. Nele. Sim. Talvez fosse isso. Eu gaguejei um 'nós' em pensamento. Segurei. Fui prestando atenção nas coisas que me dizia como quem olha com zoom para a vida de alguém. As surpresas foram tomando dimensões que extrapolavam a tela entravam pelos olhos e tomavam conta dos dedos, do sorriso, do pensar. Quando não mais pude me conter, despejei. Sem freio me esgotei da verdade que me possuia freneticamente. Olhei seu rostinho me olhando surpreso, de quem quer rir mas se segura. Não me recordo muito bem das respostas que me deu. Talvez não queira recordar. Sei que agora sinto um tic tac diferente. Esperando o tempo passar, nessas batidas que agora meu peito teima em atrasar. 

26 de março de 2011

Lelêu.

É engraçado e estranho a forma como os fatos vão tomando conta do espaço da nossa história. Um dia, algum tempo atrás, usei um chat que nunca tinha usado. Foi lá que por brincadeira ou aventura ou qualquer coisa dessas do destino encontrei um indivíduo que dançou um arrocha pela webcam. Parei por aqui (rsrsrs). O fato é que não sabia o valor que um dia esse indivíduo hilário teria na minha história. Sem querer melar mais ainda, resumirei. Ele é insubstituível. E hoje, a vida me deu mais um mimo. Este texto que ele escreveu me fez chorar de verdade, porque traduz o que eu sinto também. Aqui vai:

"Nossas vidas são uma risada forçada de quem nos colocou nesse mundo. Nunca se cruzam, por mais  próximas que estejam. Viajamos lado a lado em lados opostos, sem mesmo poder disputar ou divir  territórios. Convivemos de uma forma diferente. Compartilhamos felicidade à distância... Que ao  menos as tristezas também fiquem assim, bem distantes. É dessa forma que somos e não podemos  mudar, porque água e vinho quando se misturam perdem a essência, deixam de lado o sabor que  possuem, o sabor que faz com que sejam tão especiais. Somos pares, complementares de tão  ímpares que sempre fomos. Para sempre dois, sendo um mais um, com outro tanto no meio e nada,  por maior que seja a vontade, nada no final das contas."

Leleu. Valeu por fazer-se felicidade nessa minha loucura que costumo chamar de vida. 

24 de março de 2011

Dos resquícios.

Entrou em casa, viu as roupas jogadas no chão, os móveis fora do lugar e o trabalho que teria para reorganizar. Lembrou de quando aquele espaço era mais organizado e preenchido, lugares ocupados, taças nas mãos, roupas nos corpos, toca-discos funcionando e romance no ar. Foi bem ali que fora apresentado àquele que hoje era apenas um espaço. Serviu-se de um gole de uísque e colocou qualquer música melancólica que encontrara pela frente. Esticou as pernas sobre tudo que estava sobre a mesinha de centro, acendeu um cigarro e tragou demoradamente. De onde estava avistou um último resquício de passado. Um porta-retrato ostentava uma felicidade brilhante que ofuscava mesmo dali de não tão perto. Aquela felicidade entrava pela barriga, tomava conta dos nervos, lacrimejava os olhos, e o fazia perder a concentração na respiração a ponto de engasgar com a fumaça do cigarro. Não haveria respostas para a questão sobre o que aquilo ainda faria ali. Tampouco haveria respostas para tantas questões que aquele último objeto pesado levantava. Afrouxou o nó da gravata tentando desobstruir suas vias respiratórias, tirou os sapatos com os pés e apoiou a mão do uísque no encosto da poltrona, derrubando do líquido em si e na poltrona. Queria naquele momento destruir aquele objeto, mas sabia que destruí-lo não tiraria dele as lembranças, a vida, o cheiro, o olhar, o tato, o som da voz, o afago noturno, os sussurros à meia-luz, os encontros escondidos, os urros do sexo, o calor no coração, e a vontade de ser um, só um com ele. Baixou o som, apagou o cigarro, e num esforço tremendo levantou-se. A passos lentos aproximou-se daquilo que o destruía. Apenas deitou-o de cara para a estante, e virou-se, rumo à sacada. 

23 de março de 2011

Quero sim.


Quero um mundo colorido. Eu quero. Não interessa se é sonho distante. Quero uma vida na França. Quero um amor desses do Tumblr. Quero camisas xadrez e calças no chão. Quero um álbum de fotos aberto. Quero poder falar o que eu quero. Quero escutar o que eu quero. Quero dançar. Quero um par. Mesmo que seja difícil aprender a dançar do lado da menina no par. Quero sim. Quero uma casa bonita. Do jeito que eu planejar. Quero viajar. Quero uma máquina para registrar. Quero compor uma música para o meu amor. Quero um beijo no inverno. Quero andar de mãos dadas na beira do lago com ele. Quero sorrir de manhã. Quero levar café na cama para o meu amor. Quero um café-da-tarde em algum bistrô em Paris, de mãos dadas com ele. Quero deixar dois pares de rastros na areia. Quero assistir a um filme francês. Quero descansar no colo dele depois de um dia de trabalho. Quero ser gay. Quero que o mundo veja. Quero ser feliz. E espero que um dia seja. 

17 de março de 2011

Quase Gênesis.

Eu não lembro, nem ninguém, mas acho que um dia fui alguém totalmente sem corpo. Pessoa, só de consciência, sem massa. Não dessas coisas do espiritismo, mas alguém mesmo, esperando um dia nascer. E acho que lá de onde eu olhava tudo eu imaginava quem eu seria. As coisas que eu quereria conquistar, as pessoas com as quais quereria ter contato. Um dia fiquei sabendo que era a minha vez. E de lá me fiz broto de ser. Era estranho, mas eu sabia que iria ter que aprender a viver. Era estranho mas eu sabia que ia encontrar um punhado de pessoa dentro de corpos. E que esse punhado já tivera contato com mais outro punhado e que nessa misturança de punhados a galera tinha até criado costumes e jeitos, se dividido em grupos por cor, por credo, por parentagem, e até tinha brigado com outros grupos por conta de diferenças. Aí antes mesmo de nascer fiquei pensando. Um dia, todo mundo foi gente sem corpo. Sem cor, sem grupo, sem parentagem, sem credo. Será que valeria a pena entrar nessa brincadeira? E todos os sonhos que eu tinha feito? Eles passariam por uma peneira dessa gente toda que me esperava. Não que eu quisesse desapontar aquela que me carregava, mas ela também esperava demais de mim. Aí por não querer entrar nessa loucura, pedi pra voltar. Voltei a ser essa coisa sem corpo que eu sou. Minha ex-futura-parentagem chorou, porque diziam me querer. Mas eu não quis mesmo. Desculpa, não to preparado para encarar tudo isso. Vou ficar daqui, olhando, vendo o mundo girar, na ânsia de um dia poder ser quem eu quiser, sem expectativas, ou sem correr o risco de morrer porque escolhi ser diferente do grupo, do credo, ou da parentagem que me fez corpo. Vou ficar esperando... Só esperando...    

15 de março de 2011

Licantropia.

Até aquele dia tinha sido o bonzinho que todos poderiam usar ou dispensar quando quisessem. Levantou de madrugada fudido depois de um desses sonhos reveladores e queria mesmo é dar o troco. Enquanto tentava se arrumar, previa o itinerário de insultos e os indivíduos que bem mereciam seu vômito de palavras indecentes. Lembrou cada momento que foi deixado de lado e os sorrisinhos falsos que engoliu a seco. Algo em suas veias estava em ebulição, queria sair das veias, explodir o corpo e ferir vagarosamente aqueles que o haviam insultado. O pior era imaginar os olhares. Olhares conversando sobre ele em todo o canto, como quem discute a possibilidade de nunca mais vê-lo. Olhares que seguravam frases que esperavam ser ditas, mas que pela gentileza tão inocente do bonzinho jamais puderam ser soltas, e ele faria isso hoje, causaria uma rebelião nas sentenças presas, queria o choque, queria a guerra, queria perguntas mal-resolvidas e palavras de ataque. Em meio a tanto ódio deitou no sofá esperando amanhecer o dia para travar a sua vingança às claras, quando acordou, o mundo estava de novo azul, e voltou a sorrir pelo mundo.