24 de março de 2011

Dos resquícios.

Entrou em casa, viu as roupas jogadas no chão, os móveis fora do lugar e o trabalho que teria para reorganizar. Lembrou de quando aquele espaço era mais organizado e preenchido, lugares ocupados, taças nas mãos, roupas nos corpos, toca-discos funcionando e romance no ar. Foi bem ali que fora apresentado àquele que hoje era apenas um espaço. Serviu-se de um gole de uísque e colocou qualquer música melancólica que encontrara pela frente. Esticou as pernas sobre tudo que estava sobre a mesinha de centro, acendeu um cigarro e tragou demoradamente. De onde estava avistou um último resquício de passado. Um porta-retrato ostentava uma felicidade brilhante que ofuscava mesmo dali de não tão perto. Aquela felicidade entrava pela barriga, tomava conta dos nervos, lacrimejava os olhos, e o fazia perder a concentração na respiração a ponto de engasgar com a fumaça do cigarro. Não haveria respostas para a questão sobre o que aquilo ainda faria ali. Tampouco haveria respostas para tantas questões que aquele último objeto pesado levantava. Afrouxou o nó da gravata tentando desobstruir suas vias respiratórias, tirou os sapatos com os pés e apoiou a mão do uísque no encosto da poltrona, derrubando do líquido em si e na poltrona. Queria naquele momento destruir aquele objeto, mas sabia que destruí-lo não tiraria dele as lembranças, a vida, o cheiro, o olhar, o tato, o som da voz, o afago noturno, os sussurros à meia-luz, os encontros escondidos, os urros do sexo, o calor no coração, e a vontade de ser um, só um com ele. Baixou o som, apagou o cigarro, e num esforço tremendo levantou-se. A passos lentos aproximou-se daquilo que o destruía. Apenas deitou-o de cara para a estante, e virou-se, rumo à sacada. 

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