Quase ninguém prestava mais muita atenção nela, era comum ver aquela senhora quase estática, não fosse a cadeira de balanço. Quem passasse pela Rua das Flores, veria no 532 a figura dela que já ornava com o jardinzinho ladeado da calçada de azulejos quebrados formando um mosaico mal-feito. A casa de madeira, antiga, era pintada de azul clarinho, e os olhos dela pareciam acompanhar as matizes que a cena apresentava. Do chão, subia a linha até suas mãos enrugadas que se movimentavam sempre no mesmo compasso, alternado pelas vezes que tinha que puxar a linha que enroscava, parecia música. As vezes ela assoviava a canção: "Se essa rua, se essa rua fosse minha...". Era quase como um sino, todo dia no mesmo horário podia-se ouvir o assoviar afinado e agudo da velhinha. As vezes ela sorria também, o mistério do sorriso instigava a qualquer um que o visse, jamais se soube que histórias lhe arrancavam aquele bom esticar das rugas faciais. Boatos diziam que fora casada com um moço lindo, parecido com príncipe encantado, mas eram boatos, se de fato eram verídicos, não se sabe. Num dia morno, de meio-sol e quase-cinza, não se ouviu mais o assovio, nem se viu mais sorriso. Dava até vontade de chorar ao passar pela Rua das Flores e ver, em cima da cadeira de balanço, um tapete de crochê inacabado, e o novelo no chão.
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