Tinha ido sozinho, escondido de qualquer um. Solitário, bebia um uísque, o mais barato, recostado no balcão do pub. Misto de insegurança, vontade de sumir e raiva subiam-lhe do estômago que queimava e arranhavam o pescoço ardidamente. Deu um gole seco na bebida, odiava uísque. Olhou ao redor e uma vontade de rir de desespero foi interrompida pela lágrima que parecia embaçar o ambiente hostil. Alguma música antiga trazia a ideia de passado, mas ele o sentia recente. Ele havia escolhido, não poderia reclamar de nada, se tinha alguém culpado aqui era ele mesmo. Odiava se culpar e se odiava por culpar-se. Alguém passou à sua frente, sorriu com ares de amor. Apertou o copo com muita força, queria mesmo era estourá-lo, mas sua mão era tão fraca quanto sua alegria. Outro alguém passou, encarou-o, mas com ares de quem quer ser comido, estraçalhado. Retornou um sorriso de malícia, agarrou o cara apertando forte o lado de sua costela e puxou-o para perto. Sentiu o coração do outro acelerado e a respiração ofegante, o corpo tremia em suas mãos, agora seguras. Atracou sua boca rígida naquela boca macia e enfiou a língua de raiva. Abriu seus olhos e viu um cinzeiro ao longe, o gosto da cinza apoderou-se do lugar e ele largou a boca, mirando um ar de desentendimento. Deixou uma nota de cinquenta em cima do balcão e todos o olhando. Queria mesmo era que uma única pessoa o enxergasse naquele momento. Eu te odeio. A rua parecia correr abaixo de seus pés. Eu te odeio. Não sabia se estava gritando ou chorando, sentia um misto de tudo. Eu te odeio. Logo ele que estava tão imune. " - Odeio!", berrou do alto do viaduto deserto. Idiota. Era assim que se sentia. Eu me odeio. E repetindo algum nome que não queria, esqueceu-se.
18 de outubro de 2011
15 de outubro de 2011
Sintonia
Ele andava só.
Ele também.
Ele não acreditava mais nisso de paixão, amor.
Ele também não.
Ele teve sorte.
Ele também.
Ele não acreditou que aquela pessoa pudesse o notar.
Ele também não.
Ele decidiu.
Ele também. (Embora tenha hesitado)
Ele se abriu, se declarou.
Ele também.
Ele corou.
Ele também.
Ele ficou feliz.
Ele também.
Ele agora é dele.
E ele também.
Ele também.
Ele não acreditava mais nisso de paixão, amor.
Ele também não.
Ele teve sorte.
Ele também.
Ele não acreditou que aquela pessoa pudesse o notar.
Ele também não.
Ele decidiu.
Ele também. (Embora tenha hesitado)
Ele se abriu, se declarou.
Ele também.
Ele corou.
Ele também.
Ele ficou feliz.
Ele também.
Ele agora é dele.
E ele também.
11 de setembro de 2011
4 de setembro de 2011
Pra lembrar.
- Como a gente mudou em tão pouco tempo, não acha?
- É, eu acho.
- Esses dias te vi passando pela rua, tá bonito. (...) Tá, confesso, fiquei com ciúmes.
- (...)
- Você tá feliz?
- Eu to bem.
- Fico feliz por você estar bem, vocês estarem bem.
- É, ainda bem, e você?
- To na mesma. Ainda vou ao teatro todo sábado, só não te vi mais por lá...
- Aham, ele não gosta muito de teatro...
- Pena, você gostava tanto...
- Ainda gosto.
- Aparece amanhã, tem peça nova.
- Vou tentar.
- Ai, desculpa, ele não gosta muito de mim, não é?
- Ele sente ciúmes. Sabe? Passado...
- Não, eu entendo.
- Ele tá falando em União Estável...
- Ah sim... e o que você pensa sobre isso?
- Não quero isso. Nunca precisei antes, mas ele insiste no protocolo.
- É, eu também não quereria...
- Mas você sempre falou no sonho do casamento quando estávamos juntos.
- Talvez tenha mudado de ideia agora.
- Entendi.
- O que você entendeu?
- Não, nada, só isso de mudar de ideia mesmo.
- Mais nada?
- Não, por que?
- Por nada...
- Diz...
- Desculpa, tá ficando tarde, ele já vai chegar...
- Tudo bem. De qualquer forma, te ligo às vezes, posso?
- Liga sim. Só não sei se sempre poderei atender... Nunca se sabe quando ele estará por perto.
- Tudo bem. Senti saudades.
- É, eu também... Mas é melhor desligarmos.
- Um beijo.
- Outro.
Um permaneceu deitado, pensando no que lhe passara pela vida e que deixara escapar.
Outro levantou-se para abrir a porta, o namorado chegara.
- Ele tá falando em União Estável...
- Ah sim... e o que você pensa sobre isso?
- Não quero isso. Nunca precisei antes, mas ele insiste no protocolo.
- É, eu também não quereria...
- Mas você sempre falou no sonho do casamento quando estávamos juntos.
- Talvez tenha mudado de ideia agora.
- Entendi.
- O que você entendeu?
- Não, nada, só isso de mudar de ideia mesmo.
- Mais nada?
- Não, por que?
- Por nada...
- Diz...
- Desculpa, tá ficando tarde, ele já vai chegar...
- Tudo bem. De qualquer forma, te ligo às vezes, posso?
- Liga sim. Só não sei se sempre poderei atender... Nunca se sabe quando ele estará por perto.
- Tudo bem. Senti saudades.
- É, eu também... Mas é melhor desligarmos.
- Um beijo.
- Outro.
Um permaneceu deitado, pensando no que lhe passara pela vida e que deixara escapar.
Outro levantou-se para abrir a porta, o namorado chegara.
31 de agosto de 2011
Do primeiro.
Foram três encontros até que chegasse a coragem. Digamos que ela, a coragem, nascera pequenininha, tímida. Mas ela nasceu. Como assim? Nunca beijou? Me sentia pressionado pelos outros. Não, não era mais adolescente. Ou pelo menos não me considerava mais assim. Tinha 18. Mas aquilo me fazia voltar ao que eu chamava adolescência. Acho que este sentimento é o que define adolescência. Senti meu coração na boca, borboletas não voando, mas me carregando pelo estômago. E o medo? Daria um livro todo à parte. Dia marcado, hora marcada, vou caminhando lentamente ao local. Ensaiava o que dizer, e apagava tudo no mesmo instante. Pensava em parar, voltar atrás, mas as vozes dentro de mim me pressionavam. Foram três encontros, o primeiro um fiasco, o segundo metade de fiasco, o terceiro talvez não chegasse a um terço, mas mesmo assim, fiasco. Palavras de lado, mirei a boca. Senti vontade de senti-la. Me aproximei. Não era mais uma pessoa à minha frente, era uma boca, a que me daria o meu primeiro beijo. Como quem coloca o dedo em alguma matéria nunca antes conhecida na face da Terra, encostei meus lábios trêmulos naqueles lábios mais seguros que os meus. O som de Sabdy e Júnior do rádio e aquele halls não foram o que eu senti. Foi doce, foi macio, foi estranho, foi novo. Mas foi. Depois de me despedir, não pensei na marca que poderia ter ficado nos meus lábios, agora inchados. Mas na marca que ficara ardendo, me esquentando, no meu coração.
27 de agosto de 2011
Da efemeridade
Levantou feliz. Há noites não dormia assim. A chuva na janela embalara a noite inteira de sono, e uma brisa risonha tocava-lhe a face tirando dele um sorriso gratuito. Sairia para o trabalho às 07:45, mas despertara cedinho, madrugadinha, de um descanso mais que merecido. Pensou em colocar uma música para embalar o feitio do café, mas haveria som mais perfeito que a chuva leve e os passarinhos anunciando o tímido sol por trás das nuvens? Vestiu a pantufa e, ainda de pijama, coou o café. Sentou na cama. Levou um tempo pensando na efemeridade da vida quando rapidinho terminou o pão de queijo. Há muito tempo a inspiração não batia-lhe à porta. Lera Adélia Prado e invejara-a nos poemas que ela havia escrito falando sobre sua falta de inspiração. Até a falta de inspiração a inspirou. Olhou a chuva novamente e lembrou da infância, do tempo de banho de chuva e algazarra na casa da avó. Passeou pelos esconde-esconde, pega-pega, alerta, rolimãs, queimada, gude. Lembrou exatamente de como era sua escola, sua preocupação com a tarefa de casa, sua vitória do grêmio estudantil. As aulas de informática e de inglês que nunca reclamara para ir. A primeira paixão, o primeiro fogo no coração, ainda pequeno, quando pensava não saber lidar com aquela situação. Então o presente desfocou sua visão e percebera que não tinha aprendido a lidar como situações como aquelas da infância. Viver era mesmo estranho. O relógio digital ganhou vida, tirando-o a concentração do sonho acordado. Hora de ir. Levantou-se, trocou-se. Antes de sair, parou à porta e olhou cuidadosamente o que tinha construído ao longo de sua vida. Aquilo, sem dúvidas, era seu. Sentiu um amargor na boca, uma vontade de dividir tudo aquilo com alguém, e decidiu partir. Não há por quê chorar. Fechou a porta e partiu. Não conseguiu dividir com alguém tudo o que conseguira. Nem consigo mesmo. Não voltou mais ao seu apartamento. E nem ao trabalho. Morrera a três tiros, vítima de um assalto. Em sua mão, uma carta, que o destinatário não veria, e o sangue no chão lavava todo sonho mortal.
1 de agosto de 2011
Proust.
O prato principal era Proust. De "Em busca do tempo perdido" a "Sodoma e Gomorra" tudo lhe apetecia. Vontade insana de deixar o mundo e mergulhar no escritor e, simultaneamente, imenso medo de esgotar suas obras e tudo o que tratava delas. Queria Proust. Desejava Proust. Lambia cada palavra com o desejo de sentir o gosto mais específico de cada uma. Sentia ciúmes de Proust. Sentia-se traído só de pensar que a cada leitura de sujeitos diferentes, pensamentos que nunca seriam expostos nos papéis passariam pelas mentes e das quais ele jamais teria conhecimento. Precisava pensar que era somente ele. E Proust. Talvez fosse a identidade enorme. Servira o exército também, mesmo com problemas de saúde, por um ano. Talvez também fosse incompreendido em vida, como Proust. Seria a ligação enorme com a mãe que o aproximava tanto do que Proust era? Eram tantas identidades. A homossexualidade era comum, também. Os últimos cinco anos mudaram sua vida, assim como os cinco grandes anos transformadores da vida do autor. E o que ele tinha? Apenas livros, e mais livros, palavras que explicavam quem ele era, e quem os outros o julgavam ser. Se ao menos pudesse se encontrar com ele, estaria disposto a cortar seus pulsos e chegar lá. Mas não sabia se a morte o levaria a isso, na incerteza, melhor aproveitar cada segundo, com Proust. No espelho, encontrou alguém perdido. Poderia ser ele Proust, reencarnado, não sabia mais no que acreditar. Sabia que naquele dia, seria morto por ele mesmo, por sua boca. Seis páginas o separavam do fim.
3 de julho de 2011
Quando fechar a porta dói.
O fato é que eu me apego às paredes. De alguma forma elas acompanham todos meus momentos, guardam meus segredos e silenciam, sempre. Sentei no chão frio do quarto agora nu, e um filme projetou-se na parede. Minha primeira noite de sexo, a fúria de uma briga acalmada nas paredes do quarto, um desabafo com a amiga e porcarias para comer, os sonhos esquisitos, o sussurrar no celular, a nudez desenvergonhada e os textos escritos, compostos em parceria com aquele lugar. Tudo encaixotado. Em papelões quadrados se espremiam cenas de anos. Algumas coisas descartadas, alguns objetos que significam muito, só para mim. Uma fita VHS mal cuidada com cenas da minha infância me faz pensar no zelo com o passado. Ah, cada memória, cada precioso momento cristalizado em objetos, fotos, trapos e bugigangas, até quando teriam valor? Reza o ditado que só se dá valor quando se perde. Nem sempre. Não tivesse valorizado tudo aquilo, não me custaria muito deixar aquelas paredes já despidas. Interrompo o filme para pensar naqueles que já ocuparam aquele mesmo lugar. Onde estariam? Sentiam ciúmes daquele lugar que já tinha se tornado meu? Pode ser que sim, e pode ser por isso que tenham pedido a casa de volta. Olho novamente para a parede e agora se projeta o futuro. O novo lugar dos meus objetos, dos meus momentos, das minhas cenas, dos meus segredos. Presto minha última homenagem a este lugar que me viu entrar um, e sair outro. Quem sabe um dia, por ironia do destino, ou vontade mesmo, eu volte a te encontrar? Peço a benção ao destino, a estas novas paredes, sejam o que eu viver. Levanto vagarosamente, fecho a porta atrás de mim, com lágrimas no coração.
9 de junho de 2011
Do desejo de destino.
O inverno o esquentava por dentro. Seus passos crus inauguravam solitários a manhã gelada. Passava pelas vitrines fechadas e prestava atenção nos pássaros que pousavam na arquitetura velha e pichada da cena urbana. Suas roupas combinavam com o pálido céu nublado e seus óculos quadrados carregavam olhos inquietos.
O inverno a enfurecia. Seus passos cozidos repetiam o caminho da multidão que até a deixava com calor. As lojas abriam-se e os pássaros eram espantados dos prédios modernos e limpos da rua cheia de árvores. Ela odiava combinar com o dia, destoava sempre que possível, havia certa rebeldia no seu pisar, as lentes negras demonstravam.
Ele contornava as ruas, cosendo-as, parecia alguém que nunca seguia o mesmo caminho, mas ele conhecia cada esquina virada, cada prédio antigo, gostava de respirar três vezes na rua do bar do Sinvaldo, não considerava transtorno obsessivo compulsivo, era hábito. Levava um mp3, na vitrola volume médio, rock alternativo e pop meloso. Na mochila pesada o notebook, o desodorante, um caderno do ano passado, umas revistas que nunca seriam lidas e meio pacote de chips, murcho.
Ela seguia retilineamente, sem nem virar a cabeça, com passos suaves de quem passeia pela primeira vez pelo local, os prédios passavam por ela e faziam questão de refletir muito bem sua silhueta calma e vagarosa. Gostava de pisar nos pisos pretos, pulando os brancos, e queria procurar um psiquiatra por isso. No Ipod, um bom samba, bossa e MPB. Sua bolsa leve não carregava muitas coisas, a não ser a máquina fotográfica polaroid que amassava algumas fotos estranhas e uma bala de café.
Ele pegou a Consolação e começou a subir. Ela virou a Paulista, e desceu a Consolação. Ele viu uma moça estranha vindo de encontro, distraída. Ela andava pensando nas provas finais. Ele percebeu que ela se aproximava muito rápido. Ela acordou da distração com uma trombada. Ele sorriu e pediu desculpas. Ela disse que não tinha sido nada.
Nunca mais trombaram, e também nunca mais se esqueceram.
O inverno a enfurecia. Seus passos cozidos repetiam o caminho da multidão que até a deixava com calor. As lojas abriam-se e os pássaros eram espantados dos prédios modernos e limpos da rua cheia de árvores. Ela odiava combinar com o dia, destoava sempre que possível, havia certa rebeldia no seu pisar, as lentes negras demonstravam.
Ele contornava as ruas, cosendo-as, parecia alguém que nunca seguia o mesmo caminho, mas ele conhecia cada esquina virada, cada prédio antigo, gostava de respirar três vezes na rua do bar do Sinvaldo, não considerava transtorno obsessivo compulsivo, era hábito. Levava um mp3, na vitrola volume médio, rock alternativo e pop meloso. Na mochila pesada o notebook, o desodorante, um caderno do ano passado, umas revistas que nunca seriam lidas e meio pacote de chips, murcho.
Ela seguia retilineamente, sem nem virar a cabeça, com passos suaves de quem passeia pela primeira vez pelo local, os prédios passavam por ela e faziam questão de refletir muito bem sua silhueta calma e vagarosa. Gostava de pisar nos pisos pretos, pulando os brancos, e queria procurar um psiquiatra por isso. No Ipod, um bom samba, bossa e MPB. Sua bolsa leve não carregava muitas coisas, a não ser a máquina fotográfica polaroid que amassava algumas fotos estranhas e uma bala de café.
Ele pegou a Consolação e começou a subir. Ela virou a Paulista, e desceu a Consolação. Ele viu uma moça estranha vindo de encontro, distraída. Ela andava pensando nas provas finais. Ele percebeu que ela se aproximava muito rápido. Ela acordou da distração com uma trombada. Ele sorriu e pediu desculpas. Ela disse que não tinha sido nada.
Nunca mais trombaram, e também nunca mais se esqueceram.
29 de maio de 2011
Rua das Flores, 532.
Quase ninguém prestava mais muita atenção nela, era comum ver aquela senhora quase estática, não fosse a cadeira de balanço. Quem passasse pela Rua das Flores, veria no 532 a figura dela que já ornava com o jardinzinho ladeado da calçada de azulejos quebrados formando um mosaico mal-feito. A casa de madeira, antiga, era pintada de azul clarinho, e os olhos dela pareciam acompanhar as matizes que a cena apresentava. Do chão, subia a linha até suas mãos enrugadas que se movimentavam sempre no mesmo compasso, alternado pelas vezes que tinha que puxar a linha que enroscava, parecia música. As vezes ela assoviava a canção: "Se essa rua, se essa rua fosse minha...". Era quase como um sino, todo dia no mesmo horário podia-se ouvir o assoviar afinado e agudo da velhinha. As vezes ela sorria também, o mistério do sorriso instigava a qualquer um que o visse, jamais se soube que histórias lhe arrancavam aquele bom esticar das rugas faciais. Boatos diziam que fora casada com um moço lindo, parecido com príncipe encantado, mas eram boatos, se de fato eram verídicos, não se sabe. Num dia morno, de meio-sol e quase-cinza, não se ouviu mais o assovio, nem se viu mais sorriso. Dava até vontade de chorar ao passar pela Rua das Flores e ver, em cima da cadeira de balanço, um tapete de crochê inacabado, e o novelo no chão.
22 de maio de 2011
Poesia.
Até onde conseguia enxergar, era cidade. Tinha certeza de que era urbano, gostava de cinza, concreto e de história. Com os olhos passeou pelas ruas iluminadas e enxergou o que lembrava, sorriu levemente abençoando a cidade noturna. Olhou para trás e o viu deitado na cama, pernas entrelaçadas aos lençóis brancos e frescos num amontoado que sugeria o resultado de uma noite intensa de amor e luxúria. Voltou a olhar para a cidade e pensou nos lugares que o destino já lhe apresentara, achou engraçado. Mirou o copo com resto de uísque e o cinzeiro de vidro e tentou visualizar os lugares que ainda conheceria. Ouviu alguém se mexer, era só o homem na cama, mudando de lado. Sentiu um calafrio tocar sua pele limpa, não acreditou ser o frio da madrugada, parecia ser poesia. Sim, poesia urbana, ele enxergava poesia em cada tijolo empilhado, cada vão de concreto, cada nuance de cinza que tingia a cidade. Jurou ter visto um casal dançando na fumaça que saía de um prédio velho. A sinfonia que os carros faziam numa sincronia desconexa anunciava a aurora, novo dia, ele suspirou. Sentiu duas mãos masculinas apertarem-lhe a cintura e um bom-dia sussurrado lhe arrepiar as costas. Foi para a cama, viver a poesia lhe fazia bem.
19 de maio de 2011
Dos sentidos da vida.
Foi difícil encarar aquele buraco. Ele olhava, olhava, olhava e não entendia. Tão fundo quanto aquele buraco era o vazio que sentia no peito, talvez maior ainda, perdera a noção de medidas. Acendeu um cigarro, fumaça em ascenção. Pensou na gravidade e em todas as leis que era obrigado a seguir pelo fato de ser humano. A vida sempre lhe fora complicada de entender, quisera não querer entendê-la. Uma das coisas das quais gostaria de estar imune era o apego, maldito cordão umbilical e o que ele representaria por toda vida. Ou melhor, o que ele representaria ali, na morte. Se bem que, não fosse ele, não lamentaria o que estava lamentando, estava confuso. Deixou que a emoção lhe falasse e sua lágrima molhou um pedaço do caixão. As coisas continuavam andando, a joaninha na beira do abismo do buraco, as formigas, a grama verde suja pelo barro cavocado. Só não sabia se elas entendiam os sentidos como ele julgava entender, talvez caminhassem sem sentido, talvez não. E entendeu o sentido da vida ao mirar o caixão no fundo buraco negro. Por toda e qualquer conquista que se tenha feito, a resposta estava ali. Pensou em sua biblioteca particular, em sua coleção de trevos de quatro folhas, do pão de casa cortado e coberto por um guardanapo na cozinha, da louça limpa escorrendo e do cheiro do amaciante da lavanderia. Abraçou seu próprio coração e sentou ali mesmo, até não se lembrar mais.
15 de maio de 2011
Felicidades.
Levantei bem cedinho num dia desses que o clima nos abraça e um sorriso já está no rosto, fui logo ao espelho. Lavei meu rosto e me encarei. Olhei nos meus olhos e percebi que a minha história se passava em cores que eu podia sentir e agora tocar. Senti um cheiro de rosas no ar e meus olhos se encheram de lágrimas. Enquanto as lágrimas rolavam meu sorriso se alegrava ainda mais e meu coração sentia-se livre. Aspirei o ar fresquinho e lembrei da pureza dessa vida que aos poucos lapidei. Coloquei a mão no peito e senti meu coração, marcado pelas cicatrizes dos sofreres, mas batendo, feliz. Expirei o ar com uma gargalhada de felicidade e chorei novamente. O sol esquentava meu coração pela janela, e o dia pedia que eu tirasse meu pijama. Assim deixei a manhã, a noite receberia meus amigos para uma festa de aniversário.
8 de maio de 2011
Natureza maternal.
A aurora trazia um cheiro de rosas vermelhas com orvalho ornamental. Os pássaros brincavam com melodias de ninar e as flores se exibiam num frenético movimento de cores. Numa caleidoscópica visão, as borboletas desenhavam o céu azulzinho, com nuvens nos mais variados formatos. O lago, coberto de pétalas coloridas, era riscado ao meio pelo caminho dos patinhos. E o paraíso estava completo: Uma mamãe amamentava seu filhinho aos pés da cachoeira sorridente.
3 de maio de 2011
Passando. Passado.
Te encontrei andando pela rua. Nesse frio que deus nos dá, encapotado de blusas e com as bochechas vermelhas. Eu tenho certeza que você me viu, mas você fingiu que não. Meus olhos se encheram d'água, eu quis frear. Fotografei lentamente você fingindo que eu não fazia parte do seu mundo. Dois pólos que agora se expeliam, mas que outrora magneticamente se juntavam. Enxerguei a fumaça que sua respiração fez quando o ar encontrou o gelo desse clima, e lembrei de quando o teu hálito tocava meu rosto tão de perto e seus olhos me miravam por séculos em um só minuto. Você derrubou um objeto no chão e teve que recuar para pegá-lo, eu notei. Você não gosta de recuar, nunca, mas as vezes é preciso fazê-lo. Não conhecia aquele objeto, e era estranho já que julgava conhecer tudo relacionado a você, talvez tenha me enganado, ou você a mim. Será que você queria mostrar isso recuando? Até cheguei a achar que só queria pegar algo que caiu no chão, mas não. Não, você me olhou. Você não direcionou os olhos aos meus, nem sequer tirou o olhar do objeto, mas eu sei que me olhou, estou certo. Titubear não faz seu tipo, e você o fez. Me doeu, como nunca antes. Olhei você dobrar a esquina e ignorar tudo o que eu passei, tudo o que você passou, e o frio me tomou de novo e me agasalhou.
24 de abril de 2011
Errante.
Ela olhava para os lados sem mover a cabeça. Sorria de canto de boca e pisava nas pequenas poças d'água deixadas pela chuva forte. Agora chuviscava bem fininho, o bastante para ela carregar aquele guarda-chuva vermelho. Ela trazia no coração um misto de nostalgia com vontade enorme de rir, sentimento novo então. Mesmo passando por aquelas ruas vazias, frias e cinzas, sentia certo calor no peito. Andar fazia com que ela descansasse. O dia a cansava, a vida não lhe trouxera mais perspectivas de algum tempo para cá. Só não entendia muito bem essa vontade de rir que lhe tomava as tardes de domingo. Também nunca se atrevera a rir, não. Respeitava muito aquilo de viver sempre séria. O guarda-chuva era o escudo no qual ela conseguia soltar leves risinhos, que lhe limpavam a alma. Lembrava ali da semana toda, e percebia que todos os dias eram iguais, talvez fosse disso a nostalgia, dos dias diferentes. As ruas já iam se acabando mas a vontade de andar e andar lhe era crescente. Parou por um segundo, sentou, fechou os olhos e continuou caminhando, onde iria parar ainda não sabia, mas iria andar, até que o riso lhe fluisse naturalmente e a saudade lhe fosse esgotada.
19 de abril de 2011
O que é nosso.
- Escuta aqui que isso é pra você. Eu ainda te amo. Eu te amo hoje mais que ontem. Agora mais que o eu te amo da frase anterior. Hoje você tem medo do meu amor. Você não quer mais entregar-se ao que o seu coração sente, eu sei. A razão manda que você me esqueça de vez, beije do outro beijo e abrace do outro abraço. Mas seu coração sabe que o beijo não é meu e que o meu abraço está aqui esperando o seu. Eu estou te falando que eu quero. Mais que tudo eu te quero agora, quero provar que dou valor a você, ao seu amor, ao seu abraço. Já não aguento a agonia de estar assim tão longe por tanto tempo. Eu não quero, e me escuta, eu não vou te perder, entendeu? Não vou. Eu vou te buscar, vou fugir com você, vou te desaprisionar desse castelinho maldito que te coloca tão longe de mim. Porque o meu amor não é meu. É nosso. E nós temos o direito de vivê-lo, nós vamos fazer isso. Você me escuta? Hei... Me escuta... Que já não aguento mais gritar.
18 de abril de 2011
Do calor.
Quando o clima está quente fico muito bem sozinho. O calor é alegre, sorridente, de risadas e samba. Mas é só o frio chegar para eu querer reencontrar um calor. Sim, um calor. Específico. Não gosto muito de sentir saudade. Existe a saudade boa, que é aquela que a gente sabe que vai matar. Existe a saudade ruim, que não poderá mais ser curada. Mas a que mais me incomoda é aquela incerta, que você não sabe se conseguirá matar ou não. A vontade era matar mesmo. Esquartejar a saudade e queimá-la. E quando chega o frio encontro a saudade que tentava esconder numa xícara de chá que embaraça meus óculos, sentado no sofá, debaixo da coberta xadrez, assistindo a um belo drama francês. Ela queima meu coração assim como o chá quando o bebo no primeiro gole. Fecho os olhos e te imagino ao meu lado, dividindo o chá, a coberta, o filme e o calor. E como a saudade queima, sinto uma vontade de calor, mas tudo o que consigo é chorar. Choro por aquele novembro tão feliz, que ter seu toque era comum. Dia desses vi suas fotos, nossas fotos. Deu vontade de voltar, mas essa vontade ja me é tão presente que falar dela é cliché. Em uma dessas fotos estamos nos beijando. Fomos um só aquele dia, e foi bom. Agora é melhor eu parar de lembrar, porque a tarde vem caindo, e esse frio já ai congelando meu coração, fico na esperança do calor, desse calor único, que jamais esquecerei.
13 de abril de 2011
Sendo.
Sou tesão. Quando te vejo atravessar o quarto nua, despida de vergonha.
Sou calor. Quando beijo teus pés frios e aperto teus seios rígidos.
Sou paixão. Quando sinto teu perfume exalando sedução.
Sou pecado. Quando mordo as maçãs da tua face e provo sem mácula do teu fruto.
Sou vermelho. Quando ofego em teu ouvido e acelero.
Sou saliva. Quando beijo e não paro de beijar.
Sou alívio. Quando gozo do teu gozo tão sublime.
Sou você. Quando entro no teu corpo e não quero mais sair.
Sou nós dois. Quando te lembro com saudade e vontade de te ter.
Sou sozinho. Quando olho para o lado, e ali não é você.
Sou calor. Quando beijo teus pés frios e aperto teus seios rígidos.
Sou paixão. Quando sinto teu perfume exalando sedução.
Sou pecado. Quando mordo as maçãs da tua face e provo sem mácula do teu fruto.
Sou vermelho. Quando ofego em teu ouvido e acelero.
Sou saliva. Quando beijo e não paro de beijar.
Sou alívio. Quando gozo do teu gozo tão sublime.
Sou você. Quando entro no teu corpo e não quero mais sair.
Sou nós dois. Quando te lembro com saudade e vontade de te ter.
Sou sozinho. Quando olho para o lado, e ali não é você.
29 de março de 2011
Gostosinho.
Fazia tempo que não conversava com ele na internet. Digitei um oi, ele, sempre atento, logo respondeu. Até aqui tudo igual. As mesmas conversas, as mesmas ideias. Não que significasse monotonia, pelo contrário, era sempre uma delícia conversar com ele. Nos conhecíamos há muito tempo, somente pelas telas frias dos computadores, mas de alguma forma o coração sempre aqueceu algo entre nós. Decidi pedir que abrissemos nossas câmeras. Não sei ao certo. Ele estava lá, como eu sempre conhecia, pouca diferença. Mas o que mudara? Quando me dei conta era o meu coração que tinha mudado. Passou a esquentar de um jeito estranho que peguei medo e desconfiei. Dizem que quando acontece algo pelas bandas do coração a visão fica diferente. Eu o enxergava diferente. Era ele, eu sabia, mas não era mais aquele menininho que outrora conhecera. Tentei trocar de páginas, entrei em outras, parei de vê-lo por uns instantes. Levantei, busquei água, respirei. Tornei a vê-lo. Sim, algo estava diferente. Em mim. Nele. Sim. Talvez fosse isso. Eu gaguejei um 'nós' em pensamento. Segurei. Fui prestando atenção nas coisas que me dizia como quem olha com zoom para a vida de alguém. As surpresas foram tomando dimensões que extrapolavam a tela entravam pelos olhos e tomavam conta dos dedos, do sorriso, do pensar. Quando não mais pude me conter, despejei. Sem freio me esgotei da verdade que me possuia freneticamente. Olhei seu rostinho me olhando surpreso, de quem quer rir mas se segura. Não me recordo muito bem das respostas que me deu. Talvez não queira recordar. Sei que agora sinto um tic tac diferente. Esperando o tempo passar, nessas batidas que agora meu peito teima em atrasar.
26 de março de 2011
Lelêu.
É engraçado e estranho a forma como os fatos vão tomando conta do espaço da nossa história. Um dia, algum tempo atrás, usei um chat que nunca tinha usado. Foi lá que por brincadeira ou aventura ou qualquer coisa dessas do destino encontrei um indivíduo que dançou um arrocha pela webcam. Parei por aqui (rsrsrs). O fato é que não sabia o valor que um dia esse indivíduo hilário teria na minha história. Sem querer melar mais ainda, resumirei. Ele é insubstituível. E hoje, a vida me deu mais um mimo. Este texto que ele escreveu me fez chorar de verdade, porque traduz o que eu sinto também. Aqui vai:
"Nossas vidas são uma risada forçada de quem nos colocou nesse mundo. Nunca se cruzam, por mais próximas que estejam. Viajamos lado a lado em lados opostos, sem mesmo poder disputar ou divir territórios. Convivemos de uma forma diferente. Compartilhamos felicidade à distância... Que ao menos as tristezas também fiquem assim, bem distantes. É dessa forma que somos e não podemos mudar, porque água e vinho quando se misturam perdem a essência, deixam de lado o sabor que possuem, o sabor que faz com que sejam tão especiais. Somos pares, complementares de tão ímpares que sempre fomos. Para sempre dois, sendo um mais um, com outro tanto no meio e nada, por maior que seja a vontade, nada no final das contas."
Leleu. Valeu por fazer-se felicidade nessa minha loucura que costumo chamar de vida.
24 de março de 2011
Dos resquícios.
Entrou em casa, viu as roupas jogadas no chão, os móveis fora do lugar e o trabalho que teria para reorganizar. Lembrou de quando aquele espaço era mais organizado e preenchido, lugares ocupados, taças nas mãos, roupas nos corpos, toca-discos funcionando e romance no ar. Foi bem ali que fora apresentado àquele que hoje era apenas um espaço. Serviu-se de um gole de uísque e colocou qualquer música melancólica que encontrara pela frente. Esticou as pernas sobre tudo que estava sobre a mesinha de centro, acendeu um cigarro e tragou demoradamente. De onde estava avistou um último resquício de passado. Um porta-retrato ostentava uma felicidade brilhante que ofuscava mesmo dali de não tão perto. Aquela felicidade entrava pela barriga, tomava conta dos nervos, lacrimejava os olhos, e o fazia perder a concentração na respiração a ponto de engasgar com a fumaça do cigarro. Não haveria respostas para a questão sobre o que aquilo ainda faria ali. Tampouco haveria respostas para tantas questões que aquele último objeto pesado levantava. Afrouxou o nó da gravata tentando desobstruir suas vias respiratórias, tirou os sapatos com os pés e apoiou a mão do uísque no encosto da poltrona, derrubando do líquido em si e na poltrona. Queria naquele momento destruir aquele objeto, mas sabia que destruí-lo não tiraria dele as lembranças, a vida, o cheiro, o olhar, o tato, o som da voz, o afago noturno, os sussurros à meia-luz, os encontros escondidos, os urros do sexo, o calor no coração, e a vontade de ser um, só um com ele. Baixou o som, apagou o cigarro, e num esforço tremendo levantou-se. A passos lentos aproximou-se daquilo que o destruía. Apenas deitou-o de cara para a estante, e virou-se, rumo à sacada.
23 de março de 2011
Quero sim.
Quero um mundo colorido. Eu quero. Não interessa se é sonho distante. Quero uma vida na França. Quero um amor desses do Tumblr. Quero camisas xadrez e calças no chão. Quero um álbum de fotos aberto. Quero poder falar o que eu quero. Quero escutar o que eu quero. Quero dançar. Quero um par. Mesmo que seja difícil aprender a dançar do lado da menina no par. Quero sim. Quero uma casa bonita. Do jeito que eu planejar. Quero viajar. Quero uma máquina para registrar. Quero compor uma música para o meu amor. Quero um beijo no inverno. Quero andar de mãos dadas na beira do lago com ele. Quero sorrir de manhã. Quero levar café na cama para o meu amor. Quero um café-da-tarde em algum bistrô em Paris, de mãos dadas com ele. Quero deixar dois pares de rastros na areia. Quero assistir a um filme francês. Quero descansar no colo dele depois de um dia de trabalho. Quero ser gay. Quero que o mundo veja. Quero ser feliz. E espero que um dia seja.
17 de março de 2011
Quase Gênesis.
Eu não lembro, nem ninguém, mas acho que um dia fui alguém totalmente sem corpo. Pessoa, só de consciência, sem massa. Não dessas coisas do espiritismo, mas alguém mesmo, esperando um dia nascer. E acho que lá de onde eu olhava tudo eu imaginava quem eu seria. As coisas que eu quereria conquistar, as pessoas com as quais quereria ter contato. Um dia fiquei sabendo que era a minha vez. E de lá me fiz broto de ser. Era estranho, mas eu sabia que iria ter que aprender a viver. Era estranho mas eu sabia que ia encontrar um punhado de pessoa dentro de corpos. E que esse punhado já tivera contato com mais outro punhado e que nessa misturança de punhados a galera tinha até criado costumes e jeitos, se dividido em grupos por cor, por credo, por parentagem, e até tinha brigado com outros grupos por conta de diferenças. Aí antes mesmo de nascer fiquei pensando. Um dia, todo mundo foi gente sem corpo. Sem cor, sem grupo, sem parentagem, sem credo. Será que valeria a pena entrar nessa brincadeira? E todos os sonhos que eu tinha feito? Eles passariam por uma peneira dessa gente toda que me esperava. Não que eu quisesse desapontar aquela que me carregava, mas ela também esperava demais de mim. Aí por não querer entrar nessa loucura, pedi pra voltar. Voltei a ser essa coisa sem corpo que eu sou. Minha ex-futura-parentagem chorou, porque diziam me querer. Mas eu não quis mesmo. Desculpa, não to preparado para encarar tudo isso. Vou ficar daqui, olhando, vendo o mundo girar, na ânsia de um dia poder ser quem eu quiser, sem expectativas, ou sem correr o risco de morrer porque escolhi ser diferente do grupo, do credo, ou da parentagem que me fez corpo. Vou ficar esperando... Só esperando...
15 de março de 2011
Licantropia.
Até aquele dia tinha sido o bonzinho que todos poderiam usar ou dispensar quando quisessem. Levantou de madrugada fudido depois de um desses sonhos reveladores e queria mesmo é dar o troco. Enquanto tentava se arrumar, previa o itinerário de insultos e os indivíduos que bem mereciam seu vômito de palavras indecentes. Lembrou cada momento que foi deixado de lado e os sorrisinhos falsos que engoliu a seco. Algo em suas veias estava em ebulição, queria sair das veias, explodir o corpo e ferir vagarosamente aqueles que o haviam insultado. O pior era imaginar os olhares. Olhares conversando sobre ele em todo o canto, como quem discute a possibilidade de nunca mais vê-lo. Olhares que seguravam frases que esperavam ser ditas, mas que pela gentileza tão inocente do bonzinho jamais puderam ser soltas, e ele faria isso hoje, causaria uma rebelião nas sentenças presas, queria o choque, queria a guerra, queria perguntas mal-resolvidas e palavras de ataque. Em meio a tanto ódio deitou no sofá esperando amanhecer o dia para travar a sua vingança às claras, quando acordou, o mundo estava de novo azul, e voltou a sorrir pelo mundo.
19 de fevereiro de 2011
Arzinho bom de um sábado qualquer.
O sábado amanheceu bonito, lindo. Fresquinho, de moça de vestido florido e botão de flor na cabeça. Respirar era inspirar, e inspirar inspirava qualquer canção de voz doce e violão na beira da praia. Deu vontade de deitar na rede e adormecer ao som dos pardaizinhos. A maresia no ar trazia saudade dos amigos de perto, vontade de ficar em roda só cantando e pensando nele ou nela. Vontade de chamar os amigos para aproveitar um dia de sol na cachoeira. As ruas de asfalto mais pareciam paralelepípedos e os prédios tristes me lembravam arquitetura antiga do Recife. Jurei ver umas conchinhas e uma estrela do mar, até escutei a baiana gritando acarajé. Deu vontade de ler Clarice ao som de Calcanhoto num lugar arejado e verde. Nesse roda-mundo senti os pés no chão geladinho e o ar me tomando como quem voa parado mas dentro de si. Deu vontade de ver que o mundo é bem maior, mas que o aconchego da canção singela me fazia sorrir de verdade. E num sorriso singelo arrastei o pé na areia e mirei o horizonte, que apontava o pôr-do-sol e um passarinho desenhando a noite que traria me sono tranquilo.
1 de fevereiro de 2011
Desejo de ser sol.
Ele vinha na contramão pela rua. A noite curitibana outrora o assustara. Hoje não. Podia andar o quanto quisesse, ou enquanto a sua embriaguez lhe fosse combustível. A cada passo bêbado , cambaleava um soluço e jurava escutar canções depressivas ao som da sua própria voz. Via sua sombra que diminuía e passava para trás de si, depois voltava a ficar grande, repetidas vezes, por causa dos postes que iluminavam seu cambalear. Ele era desses garotos de se admirar, de beleza que encanta, dessas belezas que fazem com que as roupas pareçam meros acessórios. Seus olhos verdes-acinzentados estavam embaraçados por algo que parecia ser choro. Sentou em qualquer canto de qualquer lugar a espera do sol. Chorou amargamente abraçando os joelhos e percebeu que suas lágrimas haviam secado. Assim como as lágrimas, ele soubera que tudo acabaria. Seus vinte e poucos para trás davam-lhe a impressão de não ter vivido muito, ou quase nada. Quando o sol despontou, decidiu então que viveria os três meses que lhe faltavam, e sonhou em ser o sol, que vive eternamente, mesmo que a Terra acabe.
19 de janeiro de 2011
Coisinha de criança.
Joãozinho deu a mão para o Pedrinho no recreio. Todo mundo riu. Pedrinho saiu correndo. Joãozinho foi embora acanhado. Na hora de dormir, Joãozinho só pensava na mão de Pedrinho e Pedrinho só pensava em como poderia avançar para um beijinho.
15 de janeiro de 2011
De outras terras.
Sonhava em apresentar novas terras ao seu tão fiel amigo. Só não esperava ter que cobri-lo de terra, naquele buraco.
Resumo musicado.
Nasceu ao som das canções de ninar.
Cresceu ao som ao som das marchinhas carnavalescas.
Beijou ao som improvisado de um jazz.
Fez sexo ao som de Fagner.
Teve seu filho ao som do choro.
Envelheceu ao som de MPB.
Morreu ao som de dois disparos. Trinta e oito.
Cresceu ao som ao som das marchinhas carnavalescas.
Beijou ao som improvisado de um jazz.
Fez sexo ao som de Fagner.
Teve seu filho ao som do choro.
Envelheceu ao som de MPB.
Morreu ao som de dois disparos. Trinta e oito.
13 de janeiro de 2011
Pompoarizando.
Ele: Dizem que a técnica do pompoarismo funciona, não?
Ela: E como! Porque faz assim, ó. (Gesto com a mão). Abre e fecha, abre e fecha, com o negócio lá dentro.
Ele: Bom. Com os meus namorados eu também faço isso. Mas com outro órgão.
Ela: Ué, mas como?
Ele: Ai, como não?
Ela: Ah, é fácil. To fazendo agora mesmo.
12 de janeiro de 2011
Brasa.
Eu gosto da tua mão na minha virilha. Apertando, esmagando, destruindo meu desejo. Eu gosto do teu beijo forte, do arranhado da tua barba, da mordida no meu ego. Gosto de entrelaçar nossas pernas e de sentir tua rigidez, me espremendo, me engolindo, usando do meu fogo. Gosto quando prende meus braços e mobiliza meus sentidos, me possui, me lambuza de suor e geme tua excitação. Gosto de sentir teu peso me amassando, de ver nosso sexo em flashes, e da luz das velas no teu corpo nu. Gosto do gozo simultâneo, dos suspiros na orelha, e do frio que sobe pela espinha. Só não gosto quando você fuma seu cigarro, veste sua calça e acena um tchau enquanto conversa com a sua mulher, pelo telefone.
8 de janeiro de 2011
Ato de fala.
Fazendo um extremo esforço, encarou seus próprios olhos no espelho do banheiro e a força do ar advindo dos pulmões, passou pela traqueia atingindo a laringe, encontrando seu obstáculo logo após a glote e emitiu um som oral que muitas vezes só ecoa em pensamento: - Eu sou gay. Os olhos marejaram e os lábios tremeram enquanto os dentes mordiam o canto inferior esquerdo da boca. Silenciou enquanto assistia por cima a própria imagem apoiada na pia com um peso inexplicável nas costas. Respirou fundo, relaxando os ombros, tirando as mãos da pia e derrubando involuntariamente uma lágrima que fora lançada para a frente no ar expirado. A simples emissão sonora daqueles fonemas dispostos naquela linearidade causava um estardalhaço imenso naquele ponto da vida. E sentado no chão do banheiro, imerso em pensamentos calados e surdos, olhou para a maçaneta da porta, ansioso pelo que ela traria depois de aberta.
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